Estórias do sapateado

O que comumente chamamos de sapateado, que une a dança e a música de uma forma muito autêntica, com o corpo como instrumento percussivo, tem muitas narrativas no mundo da dança. Esse diálogo e composição musical que inclui ritmos, melodias, compassos e a expressão da alma, é uma dança que ganha os corações dos brasileiros há muitas décadas.

No mundo há muitos estilos de sapateio! A manifestação rítmica com os pés está em várias culturas: em várias etnias indígenas, no flamenco (chamados de taco), os sapateios de danças populares europeias, como as irlandesas e inglesas, as afro-brasileiras, como as marcações com os pés no congado e reizado, fortes em Minas Gerais, entre uma infinidade. 

O que comumente chamamos de sapateado no Brasil vem da dança Tap Dance dos Estados Unidos da América do Norte, das danças irlandesas, e das linguagens que desenvolvemos aqui. 

Em anos de apropriações, reinvenções e desenvolvimento de linguagens, criamos o que chamamos de sapateado brasileiro. Com as influências de nossas músicas, como a MPB e o samba, de nossos corpos, estórias e realidades culturais. 

Você sabia que o ritmo swingado do nosso xote tem super a ver com o swing jazz? Um dos berços musicais dessa dança nos EUA.

Tap dance

Essa dança nasceu, cresceu e ainda vive em muitos espaços como uma forma de expressão comunitária, em uma atmosfera de reflexão sobre a realidade, seus desafios e ajuda mútua. A raiz do Tap é negra, de luta por sobrevivência, e não as salas de aula, a dança moderna, as academias e estúdios. É a terra, os ambientes de trabalho e vida, a rua, os pontos de encontro, a união, a percussão corporal, como busca de resgate, transcendência, e também rebelião, em meio a opressões. 

Ela veio a partir da pirataria humana que ocorreu com os navios negreiros principalmente durante os séculos XVI, XVII, XVIII. Expressões como a percussão com as mãos, os stomps, shuffles, clock movements, entre outros, remetem ao Ring Shout e a Giouba, danças ancestrais feitas em cerimônias, que expressam a vida, a vitalidade, e também as travessias e momentos difíceis.

Em séculos de luta e segregação racial que marca a história dos EUA, destacam-se figuras como: Bill Bojangles, John Bubbles, Nicholas Brothers, Jeni LeGo, Whitman Sisters, Ayodele Casel, Derick Grant, entre outros. Expoentes da genialidade artística e humana que lutaram e ainda lutam por justiça social e sobrevivência com arte. 

Você sabia que o dia internacional do sapateado é a data de nascimento de Bill Bojangles? Dia 25 de maio. Para saber mais sobre este ícone do Tap, acesse o documentário no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=UWtImcRU_ug

Cabe destacar também, a importância das décadas de 1920 a 1950, quando o Tap despontou nos palcos da Broadway e ocupou casas de shows noturnos e clubes de jazz, como o Salão Savoy e o Cotton Club em Nova York, onde tocavam bandas de jazz como a de Duke Ellington e Cab Calloway. E também, nos filmes de Hollywood. Entre eles, destacamos:

“Dixiana” (1930), estrelando Bill Robinson; 

“Atlantic City” (1944), com Buck e Bubbles;

“Lady Be Good” com os Berry Brothers;

“Stormy Weather (1943) com Bill Robinson e Nicholas Brothers; 

“The Time, the Place and the Girl” (1946) com os Condos Brothers.

Um fato curioso dessa fase é que muitos sapateadores passaram a criar seus próprios estilos. Entre eles podemos citar grandes nomes como: John Bubbles, Honi Coles, Sandman Sims, Jymmy Slide, Sammy Davis JR, entre outros.   

Você sabia que o dançarino Peg Leg Bates conseguia sapatear com uma perna só? veja: https://www.youtube.com/watch?v=V___0TARJjE

No Hoofer’s Club, no Harlem, NYC, os veteranos se reuniam para estarem juntos, onde compartilhavam suas habilidades e se desafiavam uns aos outros. Destacavam-se Bill Robinson, John Bubbles, Harold Mablin, Baby Laurence, entre outros. Momento e local muito importante da história do Tap!

No Brasil

A linguagem musical e corporal do Tap chegou até nós principalmente a partir de suas apropriações e releituras, como em muitos dos filmes de Hollywood (Singing in the rain, entre outros). No início, o aprendizado dessa arte aqui era de forma mais pontual, em algumas academias, estúdios e escolas de dança, e até mesmo na casa de alguns dos mestres pioneiros, principalmente no eixo Rio e São Paulo. Depois, se expandiu para Minas e outros locais, alcançando maiores proporções e adeptos nos últimos 30 anos. 

Os grandes festivais que começaram a ocorrer foram e são responsáveis pelo intercâmbio cultural entre artistas e curiosos dessa arte, do mundo todo e de vários locais daqui. O Brasil Tap Festival, por exemplo, idealizado e realizado por Christiane Matallo, já vai para sua 21 edição; o Floripa Tap, já vai fazer 10 anos de estrada no sul do país, entre outros.

Hoje, encontramos o sapateado em diversos estilos e por muitas cidades, com uma comunidade crescente. O que no começo se centrou mais nas grandes capitais do país, depois foi alcançando mais voos, em diferentes estados e locais fora dos eixos tradicionais de mídia. 

Muitos de nossos profissionais buscaram desenvolver ou adaptar metodologias de ensino do sapateado, o que não é comum em muitos outros países. Entre eles, destacamos: a Kika Sampaio, a Marchina, a Kátia Barão, e a Susan Baskerville.

Outro fato curioso é que no início muitos professores e alunos improvisaram sapatos ou até os produziram, como no caso da Marchina. Enquanto hoje já temos até uma fábrica da Bloch no Brasil, além da Capézio que está em São Paulo desde 1975, e da Só Dança, marca genuinamente brasileira.   

Gostou de saber um pouco sobre o sapateado? Quer conhecer mais sobre o surgimento de outros estilos de dança? Então não deixe de acompanhar o Primeiro Ato no Facebook e Instagram

Quer saber um pouco mais da história do sapateado brasileiro? Acesse o canal do youtube da Bia Mattar – professora e produtora cultural, que vai lançar este ano um livro sobre a história do sapateado no Brasil. E sobre a história do Tap dance? A nossa professora Ana Gori faz parte de um grupo chamado Blacks on Tap, que está criando e produzindo um espetáculo sobre a estória do Tap. Fique por dentro!

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