entre fibras, fios, aromas, água, café e muitas tramas..
Foi dada a largada da nossa pesquisa de acervo dos 40 anos do Grupo 1 Ato, envolvendo os figurinos e materiais cênicos de mais de 20 espetáculos do repertório, desde os primeiros anos de existência até a atualidade. No vídeo acima, produzido pela Limão Capeta Filmes, é possível sentir um pouco do que foi o primeiro encontro que realizamos no nosso Espaço de Acervo e Criação Compartilhada, no bairro Jardim Canadá, em Nova Lima.
Nesse momento, o fio condutor e a trama foram as próximas cenas a serem criadas, a partir das que já se passaram e continuam presentes em nossos pensamentos, sentimentos e sensações. Os bailarinos mais jovens do grupo e os mais experientes começaram a assistir materiais multimídias em suas residências, com gravações de espetáculos desde a década de 1990, e na conversa presencial, relembramos episódios, conceitos e linguagens que compõem a nossa trajetória, como base para o nosso trabalho de pesquisa no Projeto Dança dos Figurinos, aprovado pelo edital da Lei Aldir Blanc de 2020, do Estado de Minas Gerais. Esse edital tem nos impulsionado a continuarmos vivos e ativos com dignidade nesse ano de 2021, em meio ao contexto da pandemia do COVID-19, que perpetua e abala a nossa sociedade e as artes no nosso país.
Ao falarmos da nossa história e dos diálogos artísticos e afetivos que compõem o nosso percurso, dos artistas de ontem, de hoje e amanhã, de grupos e da formação e capacitação artística e técnica no Brasil, os figurinos foram a motivação e pretexto. As fibras, tecidos, formas, composições que mais chamaram a atenção e marcaram cenas e épocas, junto aos objetos e cenários, compondo as diferentes e originais estéticas, uma das marcas do 1 Ato. Foi assim, impossível falar de um sem o outro. Os corpos, os tecidos, os momentos, as possibilidades, as diferentes épocas, os cronogramas atuais e as atemporalidades artísticas. As formatações, agendas, medidas, quantidades, possibilidades, e também os espaços do que não sabemos. O feminino nos homens, de ontem e hoje. O feminino nas mulheres. A falta dele nelas e neles, e em todas as novas nomenclaturas que movimentaram o pensar, as falas, as questões e posicionamentos. O compreender o outro, o Grupo, a história e a contemporaneidade. As mulheres nas artes cênicas e suas intermediações: Inês Peixoto, Morena Nascimento, Nena Inoue, Pamela, Paula e Gilda Vaz, Guida, Maria Inês, Dudude Herman, Silvania de Deus, entre outras em nossa mesa. Os Figurinistas: Pablo Ramon, Ronaldo Fraga, Silma Dornas, Marco Paulo Rolla, entre outros. O caminho trans, LGBTQIA+, os caminhos do feminino, do masculino e do andrógeno em diferentes culturas e linguagens (no corpo, na fala, na escrita e nas palavras). Homens e mulheres, em todos os capítulos e episódios da história do Grupo 1 Ato, e aquilo que se inaugura com as novas visões de gênero.
Acreditamos que as palavras não definem e nem esgotam, mas marcam existências. Os sons libertam a expressão das palavras, os sentidos e as possibilidades. Nesse contexto, nos questionamos: as siglas são necessárias para incluir e ser incluído? Diferentes compreensões em mesa. O que não sai de cena? A urgência de poder se expressar e comunicar? A escuta? O que resta e fica? O que pode ser vivido e se encontra vivo? Com quais corpos e materiais damos vida ao pulsar?
Foram muitas perguntas, e ao revisitarmos nossos materiais cênicos e figurinos, os bailarinos mais jovens junto a Suely Machado (diretora) e os bailarinos mais experientes, como a Marcela Rosa, tiveram conversas espontâneas e algumas sinalizações de curiosidades, desejos e momentos marcantes para cada um. Destacamos alguns dos diálogos abaixo, a respeito dos espetáculos e figurinos:
_Quem fez os figurinos do espetáculo ‘Whisky com Guaraná’? Eles estão aqui?
_Sim, são aquelas roupas azuis e brancas, vestidos, saias, que penduramos aquele dia, lembra?
_Naquela cena do Tigarigari eram sacos de lixo que pareciam um vestido longo? O que era aquilo? Pernas de pau por baixo?
_Eram vários sacos na verdade. Essas roupas ainda estão aqui eu acredito. E não eram pernas de pau, era uma pessoa segurando a outra.
_Sabia!!!! Porque tinha maleabilidade. Percebi no vídeo.
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_Eu como homem poderia dançar a cena feita por uma mulher?
_Em muitas cenas sim, em outras considero que não, pelo contexto cênico. A força do acontecimento e situação. Vocês imaginam um homem falando :”_me bate bezerra!”, como na cena da Paula Davis?
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_Meu sonho é fazer aquela cena: “Hello Darling”!!! Cadê aquele figurino? É meu.
_Sabe uma cena que eu também queria fazer, aquela do espetáculo Beijo, em que as mulheres parecem que estão usando um biquíni…
_Vocês podiam fazer, a das buchinhas, é muito forte.
_Camila pensei outro dia em você e nessa cena. Você em um canto, jogada, mascando chiclete…
_Sim, aqueles corpos jogados, que ficam jogados né.
_Sabe uma cena que não me sai da cabeça em nossa conversa aqui? Aquela do espetáculo Pequenos Atos de Rua, tudo a ver com o momento atual, em que a Marcela fica indicando várias direções a seguir.
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_A gente podia fazer cenas do Três luas, pensando sobre o feminino.
_Marcela, você tinha que fazer aquela cena sua com o Lucas, do Jhon Lenon.
_Eu queria fazer aquele solo da Marcela no Adorno. Nossa, como me marcou!
_Eu também assisti o Adorno outro dia, e tem uma cena que uma mulher dança com uma saia, uma roupa, que parece de plástico, é isso mesmo? E vai mexendo assim com aquilo, dando uns nós…
_Sim, era plástico, e a cena foi com a Vivi. Aquele figurino foi forte, um conflito.
_Tem figurinos lindos nesse espetáculo.
[…]
_ Eu queria fazer aquela cena em que o vestido cruza o palco inteiro.
_Essa eu acho que vou fazer. Você deveria fazer também Su. Os gritos de hoje seriam bem mais fortes que naquela época (risadas).
[…]
_Em nossa pesquisa podemos fazer entrevistas com o Marco Paulo Rolla que está aqui no galpão do nosso lado, pode até estar nos escutando agora. Ele fez tantos figurinos do nosso repertório, em diferentes épocas, seria bom para entendermos melhor como foi pra ele, e termos mais espaços de perguntas nesse momento inicial.
[…]
Por aí nós começamos a organizar as ideias e as ações previstas. Os bailarinos já tinham começado a pesquisar os acervos de multimídia do Grupo 1 Ato, motivados em reconhecer a história dos 40 anos e seus espetáculos. As perguntas dos mais jovens motivaram novas possibilidades na pesquisa e, ao mesmo tempo, elas foram campo para reafirmações de percepções já consolidadas, observadas por muitos, e em diferentes épocas, que resistem aos tempos. Essa consistência e porosidade é o que dá vida ao nosso momento e caminhar. O fio…. possível pela permanência da Suely Machado e Marcela Rosa, acolhedoras e persistentes. Uma parceria duradoura que traça a continuidade, reanimada pelos corpos e afetos disponíveis das novas pessoas, que traçam junto o continuar da história do 1 Ato. A Marcela Gozzi ajudando nessa costura entre gerações. O Rafael, que ao chegar abriu uma outra janela e tom de fala. O silêncio e o olhar do Robert com suas perguntas certeiras. As colocações cheias de vida e encanto do Dalton e Camila. Assim seguimos… E saímos desse primeiro encontro nos questionando: o que faz sentido mudar e o que não faz? O que já é mudança só de ser pensado em outro tempo, com outros corpos, outras gerações, outros pensamentos, outras histórias? Algumas dessas perguntas começaram a ser respondidas para cada um de nós, e outras não. E para vocês? Como é o Primeiro Ato nesses 40 anos de existência e resistência nas artes? Quais figurinos e cenas te marcaram mais?
A nossa pesquisa, contemplada pela #leialdirblancmg (https://www.secult.mg.gov.br/leialdirblanc), a partir desse dia, ganhou mais um passo de realidade e uma marca de inauguração e acreditamos que ela só se completa com vocês. Por isso estamos aqui, para compartilhar e convidá-los a fazer este mergulho conosco, entre tramas, fios e cenas.
Aguardem que os próximos capítulos vão ser postados aqui e em nossas redes sociais, com mais detalhes. Vem com a gente!