Dança dos Figurinos: entrevista com a Suely Machado

A nossa diretora Suely Machado nos presenteou com uma tarde maravilhosa, cheia de emoções e profundidade, nas lembranças da trajetória do Grupo. Além das cenas icônicas (que podem ser conferidas a partir de fotografias no nosso vídeo (IGTV) no Instagram), ela também revelou vários momentos especiais dos bastidores, com os integrantes antigos, e parceiros nas produções.

Para ela o “Isso aqui não é Gotham City” (1992) é uma obra diferenciada, assim como o “Quebra Cabeça” (1989). Eles são fruto da parceria com o Paulinho Polika, onde a linguagem do teatro e da história em quadrinhos se misturou com a dança, em um verdadeiro absurdo na movimentação: “são lúdicos, poéticos, com humor..  olhava e pensava: meu deus o que que é isso?!”. Todo mundo acreditou no trabalho e ele rodou o mundo, com muito sucesso por onde passou, com temporadas de meses em teatros brasileiros.

Com o Quebra Cabeça, eles foram para a Expo 92, na Espanha, e dançaram em um dos pavilhões. Ela conta que na época o Grupo era quase todo adolescente, muito jovens, e que as pessoas nem entendiam ainda o significado das responsabilidades. Os técnicos espanhóis estavam em greve, e eles passaram por verdadeiras aventuras nessa experiência. Abaixo, uma foto da Marcela e do Alex em uma remontagem 15 anos depois da Expo 92.

Belo Horizonte, 08 de Novembro de 2007.
Apresentação do Espetáculo Quebra-Cabeça do Grupo 1 Ato para crianças em praça pública.
Foto: Leo Drumond / Agencia Nitro

O espetáculo “Cavaleiro de Copas” (1994), feito em parceria com Rodrigo Campos, também rodou muitos locais diferentes do interior do Brasil e de Minas, levando mágica as ruas. Ele celebra o “mistério do Graal”, inspirado na lenda de Parsifal, ligada à mitologia arturiniana, e remete a universalidade e potencial simbólico da herança cultural brasileira. Ela comentou das cenas malucas durante a circulação desse trabalho, como os bailarinos de perna de pau na areia de Santos (SP), o uso inusitado da máscara pelos bailarinos, uma linguagem que ninguém dominava, e favoreceu a movimentação dos membros inferiores e superiores, potencializando a expressão do corpo.

Anos depois, eles realizaram o “Desiderium” (1996) na cidade do Rio de Janeiro. E ela relembrou e se emocionou muito com o momento em que Antonio Abujamra deixou um bilhete no café da manhã do Hotel em que eles estavam hospedados, depois de ter assistido ao espetáculo na noite anterior. No guardanapo estava escrito: “Baush invejaria suas cadeiras”. Além da admiração profunda da Suely por ele, aquela mensagem foi muito motivadora, para ela e para o Grupo, pois na época as pessoas achavam que o que eles faziam não era dança, porque não tinha só piruetas e pernão.

Com o “Beijo” (1999), os temas da diversidade e a incompreensão do Brasil pelo próprio brasileiro e por estrangeiros, veio a tona. Ela discorreu a respeito do paradoxo da nossa identidade, multifacetada, misturada, associando o espetáculo ao livro que leu recentemente da Rosisca Darci de Oliveira. Para Suely “o que a gente nega muitas vezes é a nossa maior riqueza”.

O “Sem Lugar” (2002) fez eco a obra de uma das maiores riquezas da nossa terra: o Calor Drummond de Andrade. Suely sente profunda identificação com a força desse trabalho como um todo, e com a poesia do Drummond. Ela nos relembra: “em Minas os loucos são muito bem tratados porque são a maioria”; “..quando estou na roça eu lembro do elevador, quando estou no elevador lembro da roça” – CD. Segundo Suely, essa divisão está dentro de todos nós.

Ela é grata ao seu olhar, a capacidade de reconhecer a potência dos artistas e auxiliar a transformar os corpos em arte. Para ela esse é o cerne da sua oficina, descobrir a arte com o outro, no corpo. Seja de um bailarino, ou de qualquer outra pessoa não necessariamente ligada ao estudo dança, ou das artes. Nos corpos cotidianos, humanos.

Sempre nas audições do Grupo a Suely escolheu pessoas com brilho no olho, vontade de fazer, ou com alguma peculiaridade, não necessariamente os que dançavam melhor ou apresentavam maior capacidade técnica. Essa é uma marca do Primeiro Ato, a diversidade de corpos, idades, origens, características.

Três bailarinos que já fizeram parte do grupo e que ela acha que tem algo em comum são: o Marcos Tó, o Fábio Dornas e o Lucas Resende. Pessoas amorosas, absurdamente interessantes, originais. Suely comenta da espontaneidade dos três, da coragem, afetividade.. “minhas crianças prediletas”. Ela relembrou os três com muito carinho. Da mesma maneira, a Danny Maia, Marise Diniz, Paula Davis, entre outras mulheres fortes que marcaram uma presença na nossa trajetória.

Com relação as trilhas sonoras, ela citou parceiros importantes como: Ivan Vilela, Marco Lobo, Pereira da Viola, Zeca Baleiro, Kiko Klaus, André Abujamra, entre outros.

Sobre os espetáculos de rua, Suely também comentou da importância do “Pequenos Atos de Rua” (2011). Uma obra delicada, minimal, cricolada, intensa, emocionante, que levou uma sutileza em meio ao caos. Ela destaca a importante colaboração e criação do Alex Dias e da Vivi (Ana Virgínia Guimarães). Feito em muitos centros urbanos e periferias, o trabalho trouxe uma conexão única com as pessoas nas cidades.

“Para, olha, respira.. a gente precisa disso. Esse e os nossos outros espetáculos de rua trouxeram isso”.

Depois, o “Pó de Nuvens” (2012) feito com a Denise Namura e Michael Bugdahn, foi um deleite e imenso desafio, pelo curto espaço de tempo. O trabalho é consistente e muito plástico, bonito, ficou pronto em pouco tempo mas tem profundidade e inspiração na obra de Guimarães Rosa.

A parceria com o Wagner Moreira, também gerou um canal diferente. Suely o ama e admira, e eles se aproximaram mais na obra “Só um pouco Anormal” (2013). Um trabalho difícil e intenso, muito físico, falando sobre a loucura e o Hospital Psiquiátrico de Barbacena, com suas histórias. Essa obra trás o risco em cena, visceral, com músicas clássicas, muito surpreendente e modificadora na trajetória do Grupo.

A conversa foi longa e ela deixou um apelo aos bailarinos que cabe a todos os artistas (profissionais ou não):

“vocês não são menos, nem mais do que quem fez história… cada um deu o que deu, no tempo que pode, na sua época, e agora estamos aqui.. a identidade e a autonomia no fazer não podem faltar.. façam diferença, surpreendam, arrisquem, tragam o que não se espera, saiam do lugar óbvio, e façam o outro pensar”.

Essa entrevista foi feita no contexto do nosso Projeto apoiado pela #leialdirblancmg (https://www.secult.mg.gov.br/leialdirblanc).

 

 

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